
Prestes a se tornar octogenária, a metalúrgica Riosulense – ou simplesmente Rio – trabalha em um plano estratégico de crescimento e expansão nos mercados automotivo, agrícola e aftermarket (peças de reposição, órios e serviços para personalizar ou melhorar veículos). Neste ano a empresa planeja crescer acima dos 20% e dedicar 10% do faturamento bruto, que ficou em R$ 420 milhões em 2023, na aquisição de máquinas, lançamento de produtos e modernização do parque fabril de 27 mil metros quadrados de área construída em Rio do Sul. Com a investida, a metalúrgica almeja atender todos os motores do mercado nacional, aumentando seu acervo de mais de 8 mil itens, entre bronzinas, eixo de comando, kit de distribuição, parafuso de cabeçote, juntas para motor, anel de pistão e válvulas – contando com uma equipe de 30 engenheiros para desenvolver novas peças. “Queremos atender nossos clientes com um portfólio completo”, declara o CEO da empresa, Ornelio Kleber.
Os investimentos ocorrem em um momento perfeito. Desde o começo de 2024, diversas montadoras anunciaram relevantes aportes no mercado nacional. Somados, os valores informados ultraam a casa dos R$ 100 bilhões. O novo ciclo de investimentos deve-se, em parte, ao lançamento do Programa Nacional de Mobilidade Verde e Inovação (Mover), do Governo Federal, prevendo um total de R$ 19,3 bilhões em créditos financeiros como contrapartida de investimentos em inovação e descarbonização. Até o dia 10 de maio, 69 CNPJs já haviam conseguido habilitação para participar do Mover – seis deles de Santa Catarina.
Investimentos das montadoras | ||
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Montadoras | R$ bilhões | Período |
Stellantis | 30 | (2025/30) |
Volkswagen | 16 | (2022/28) |
Toyota | 11 | (2024/30) |
GWM | 10 | (2023/32) |
General Motors | 7 | (2024/28) |
Hyundai | 5,45 | (até 2032) |
Renault | 5,10 | (2021/27) |
CAOA | 4,50 | (2021/28) |
BYD | 5,50 | (2024/30) |
Nissan | 2,80 | (2023/25) |
Honda | 4,20 | (2024/30) |
Total: 101,55 bilhões |
Fonte: Empresas
Chicotes | Com duas montadoras localizadas no Norte do Estado – a GM, em ville, e a BMW, em Araquari –, além de fabricantes de máquinas agrícolas e de reboques para carretas, Santa Catarina tem uma longa cadeia produtiva voltada para o segmento automotivo. São ferramentarias, metalúrgicas, fábricas de molas e chicotes elétricos, estamparias, fundições, indústrias que trabalham com peças de borracha, plástico e alumínio injetado e uma série de outros empreendimentos que produzem autopeças para carros, motos, caminhões, ônibus, máquinas agrícolas e afins.
A GM anunciou investimentos de R$ 7 bilhões no Brasil, que devem ser aplicados até 2028, com foco na mobilidade sustentável, renovação do portfólio e melhorias nas fábricas – além da unidade em ville há plantas da GM em São José dos Campos e São Caetano do Sul, no estado de São Paulo, e Gravataí (RS). Já a BMW, que está completando um ciclo de investimentos de R$ 500 milhões em Araquari, iniciou a eletrificação da planta. Até o último trimestre a empresa deve colocar no mercado o SUV X5 Híbrido Plug-in, primeiro modelo do gênero a ser fabricado na América do Sul, com preço de revenda estimado em R$ 740 mil. A produção no Estado deverá aumentar 10%, com a meta de atingir a marca inédita de 11 mil unidades fabricadas em 2024.

O mercado aquecido já impacta o mercado de trabalho. Foram criados 1.710 empregos no setor no primeiro trimestre em Santa Catarina, contra 773 no mesmo período em 2023. Outras 1.971 vagas foram abertas nas indústrias metalmecânica e metalúrgica, ambas em grande parte conectadas à indústria automotiva. Já as importações pelo Estado de partes e órios de veículos cresceram 36% no comparativo com 2023, de acordo com o Observatório FIESC.
“A montagem de um modelo qualquer conta com cerca de 250 fornecedores, que entregam sistemas completos para as montadoras, ao contrário de antigamente, quando um entregava só o radiador, o outro a mangueira, outro o parafuso. Os investimentos bilionários apresentados recentemente representam um mar de oportunidades para o setor”, afirma o diretor do Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores em Santa Catarina (Sindipeças/SC), Bruno Luís Ferrari Salmeron, que também é presidente da Câmara de Desenvolvimento da Indústria Automotiva da FIESC.
“Serão criadas novas plataformas, ou seja, veículos totalmente novos, que vão exigir novos componentes e peças e gerar novos negócios”, conta. Cada plataforma nova custa entre R$ 2 bilhões e R$ 4 bilhões e demora até três anos para ser implementada, conforme Salmeron. Além disso, muitos facelifts, como é chamado o processo quando um modelo já existente ganha uma ‘cara nova’, também devem gerar novas demandas para a cadeia produtiva. “E quando vamos para a eletrificação da frota, Santa Catarina apresenta empresas de alta tecnologia e alta capacitação técnica para criar inovação, além de uma forte cultura de startups e de compartilhamento de conhecimento”, diz. Tal quadro deve gerar, inclusive, oportunidades de nacionalização de peças e componentes atualmente fabricados no exterior, o nearshoring.

Transição | A WEG, de Jaraguá do Sul, investe na mudança de matriz energética. Inclusive, ela figura duas vezes entre as seis indústrias catarinenses já habilitadas pelo Programa Mover (com a WEG Drives & Controls e a WEG Equipamentos Elétricos). Em 2023, a empresa anunciou investimento de R$ 100 milhões no aumento da produção de packs de baterias, uma das principais frentes estratégicas neste segmento, junto aos powertrains (motores elétricos e inversores). Com a conclusão de uma nova fábrica de packs de baterias ainda neste primeiro semestre, 140 vagas de emprego devem ser criadas. “A bateria tem papel fundamental para viabilizar um maior o aos veículos elétricos, pois possui participação relevante na composição dos custos totais de fabricação. O domínio da tecnologia e o desenvolvimento da cadeia produtiva de baterias no Brasil são um grande desafio e é fundamental que o País avance nessa direção”, considera Carlos José Bastos Grillo, diretor superintendente da WEG Digital & Sistemas.
Empresas de SC habilitadas pelo Programa Mover
BMW do Brasil Ltda
Rudolph Usinados S/A
Schulz S/A
Tupy S/A
WEG Drives & Controls - Automação Ltda
WEG Equipamentos Elétricos S/A
Fonte: MDIC = Obs.: Em 10/05/2024
Para ele, uma tecnologia fundamental para acelerar a transição energética no segmento de mobilidade elétrica é o BESS, sigla para Battery Energy Storage System (Sistema de Armazenagem de Energia de Baterias). “Na mobilidade elétrica, o BESS atua para suprir a necessidade de maior oferta e de picos de energia apoiando, portanto, a adoção de veículos elétricos. A bateria aplicada para o BESS é a mesma aplicada nos veículos elétricos. Por isso, na mobilidade elétrica, o BESS também é uma solução para a segunda vida das baterias de lítio, permitindo a circularidade das baterias”, explica.
A outra frente na qual a WEG tem atuado é na criação de infraestrutura de recarga com soluções de ponta a ponta: da geração de energia renovável, infraestrutura de transmissão e distribuição e sistemas de armazenamento de energia, até chegar nas residências, estabelecimentos comerciais, rodovias e garagens dos frotistas, com as estações de recarga. Recentemente, um protótipo criado pela WEG em parceria com a BMW e a empresa Energy Source entrou em fase de testes em Araquari. Trata-se de uma estação de recarga rápida de veículos elétricos que utiliza 18 módulos de painéis solares instalados na cobertura de uma garagem e 24 módulos de baterias usadas do BMW i3, um dos primeiros veículos elétricos do mundo, lançado em 2013 na Europa.
Além de garantir o abastecimento de um banco de energia 24 horas por dia, o equipamento monitora o estado das baterias para prolongar a vida útil dos módulos em até dez anos. “Há um desafio importante que precisa ser vencido, que é a infraestrutura de recarga, tanto nas cidades como nas rodovias. Com o apoio de infraestrutura de recarga, essa demanda aumentará exponencialmente e o setor produtivo brasileiro já está pronto para ofertar produtos de ótima qualidade e nacionais”, afirma Grillo.

O mercado de carros elétricos cresce no mundo, ainda que seja muito concentrado na China, na Europa e nos Estados Unidos, onde ficam 95% das 14 milhões de unidades comercializadas em 2023, segundo a pesquisa Global EV Outlook 2024, da International Energy Agency (IEA). O número é seis vezes maior que o de 2018, e corresponde a 18% do volume total de carros colocados no mercado no ano. Ainda conforme a IEA, no Brasil, um dos líderes neste nicho na América Latina, a entrada de empresas chinesas como BYD, Great Wall Motors (GWM) e Chery fez a venda de carros elétricos, muitas vezes do tipo híbrido graças à disponibilidade de etanol, triplicar de um ano para o outro, atingindo 3% do market share. Em 2023, de acordo com a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), foram vendidas 94 mil unidades no País, um recorde.