
Com poucos dias decorridos do mês de abril de 2025 o mundo se dava conta de que a ordem econômica vigente ruía como um castelo de cartas, sem que houvesse clareza do que viria a seguir. A elevação abrupta de tarifas de importação aos EUA, maior consumidor do mundo, seguida por resposta à altura da China, maior produtor industrial, pareceu significar a pá de cal na globalização, sistema preponderante há décadas. É verdade que o protecionismo já se insinuava e a corrente de comércio global declinava nos últimos anos, mas a ação incisiva do governo Donald Trump escalou a tendência de desarticulação do sistema de cadeias globais de produção.
Ao mesmo tempo, na FIESC, mais de uma centena de indústrias catarinenses dos setores de madeira, papel e celulose, produtos de madeira e móveis debatiam as estratégias possíveis para defender os interesses de Santa Catarina, considerando que os EUA são o maior comprador de produtos de base florestal do Estado. “Santa Catarina tem uma cadeia florestal expressiva, que gera muitos empregos e impostos. As medidas anunciadas têm alto potencial de impacto na competitividade”, afirma Gilberto Seleme, 1º vice-presidente da FIESC e empresário do setor.

A indústria da madeira é um exemplo da inserção global catarinense. O setor eleva continuamente o volume de industrialização da madeira cultivada no Estado, e responde por mais de 70% da exportação brasileira de portas de madeira, por 44% dos móveis e por um terço das molduras de madeira e compensados de pinus, de acordo com a Associação Catarinense de Empresas Florestais. “A indústria de base florestal era vista como pobre e suja, mas hoje é tecnológica, demanda profissionais altamente qualificados, é sustentável e a madeira é integralmente aproveitada na cadeia produtiva”, diz Seleme.
Transformações como essa qualificaram a indústria de Santa Catarina para o comércio internacional. Apesar das incertezas e desafios do novo cenário a FIESC divulgava, confiante, dados sobre as exportações catarinenses no primeiro trimestre de 2025, que somaram US$ 2,77 bilhões, representando um aumento de 7,6% em relação ao mesmo período do ano anterior. Os principais destinos são os EUA e a China, e os produtos principais são máquinas e equipamentos elétricos e alimentos, além de produtos de madeira.

No mesmo período a Federação se reuniu em sua sede com o cônsul da Alemanha, Marc Oliver Bogdahn, para discutir o novo cenário geopolítico, a reorganização das cadeias produtivas e o reordenamento das alianças comerciais. Já em Frankfurt, na Alemanha, um grupo de gestores e pesquisadores dos Institutos SENAI de Inovação e Tecnologia buscava atualização em relação às tecnologias industriais de ponta, para poder conectá-las à indústria catarinense. E, na sequência, a FIESC lançou o SC Day Colômbia, que será realizado em julho em Bogotá, para incentivar as exportações catarinenses para o país.
Todos os lances, ocorridos em um intervalo de poucos dias, ilustram o elevado grau de internacionalização da indústria catarinense. Essa condição foi, ao longo da história, diretamente responsável pelo desempenho acima da média nacional do setor. O envolvimento da FIESC com o tema foi decisivo para os resultados.
Vale citar a formação do Consórcio Catarinense de Exportações, em 1970. O objetivo era identificar e organizar empresas com potencial exportador e elaborar estratégias para explorar os mercados, com a ajuda de consultores especializados da Europa e Estados Unidos. O ímpeto da indústria catarinense pode ser medido pelo fato de que as exportações do Estado saltaram de 2% para 6% do total nacional, entre o início e o final da década de 1970. Nos anos 1980, que ficaram conhecidos como “década perdida”, as exportações da indústria tiveram papel central para o crescimento do Estado ter sido superior ao desempenho nacional, mitigando os efeitos da crise em Santa Catarina.

A década de 1990, contudo, foi especialmente importante para a inserção global da indústria catarinense. Os anos da globalização da economia foram marcados pela queda de barreiras comerciais e de reservas de mercado que protegiam a indústria local – entre 1989 e 1996 a tarifa média de importação caiu de 78% para 12,6%. O Plano Real, que obteve finalmente êxito contra a hiperinflação, valeu-se da valorização da moeda brasileira, de modo a tornar as importações mais baratas e as exportações mais caras, evitando a alta de preços no País. Deu certo, mas a indústria pagou um preço alto.
A queda de tarifas e o aumento das importações atingiram frontalmente setores importantes da indústria catarinense, como têxtil e vestuário, calçados, cerâmica e bens de capital, para citar alguns. A liberação de importação de carvão metalúrgico e o fim da reserva de mercado do carvão nacional desarticularam o complexo carbonífero catarinense, que após um longo ciclo de expansão retornou aos patamares do início dos anos 1970. A indústria, entretanto, não ficou imobilizada diante das transformações, e contou com a FIESC para se reinventar.
As iniciativas da Federação em formação profissional, tecnologia, inovação e gestão – descritas anteriormente – foram fundamentais para que a indústria atingisse novos patamares de competitividade. Além disso, a FIESC teve papel central para a identificação e aproximação da indústria com clientes internacionais. Um dos marcos desse movimento aconteceu em 1993, com a participação de uma delegação catarinense na Feira de Hannover, na Alemanha, então a mais importante feira industrial do mundo.

A FIESC também teve participação ativa em diversos eventos que configuraram as relações entre países desde então. Representada por Maria Teresa Bustamante, atual presidente da Câmara de Comércio Exterior, a Federação esteve em todas as reuniões preparatórias para a formação do Mercosul, assim como na discussão e do Protocolo de Ouro Preto, em 1994, que conferiu ao bloco personalidade jurídica de direito internacional. Da mesma forma, participou da negociação e do Protocolo de Ushuaia, que estabelece a cláusula democrática do Mercosul, e tem participação ativa nas negociações do Acordo de Parceria Estratégica Mercosul-União Europeia, iniciado em 1999. O Mercosul teve papel relevante para impulsionar a indústria de Santa Catarina.
Além disso, a FIESC esteve presente no grupo que criou, no âmbito da Confederação Nacional da Indústria, em 1996, a Coalizão Empresarial Brasileira, um fórum inédito da sociedade civil para ter voz representativa nas rodadas de negócios internacionais. Também participou da iniciativa ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), que acabou arquivada em 2005. Bustamante integra o Conselho Geral das Câmaras de Comércio/World Chambers of Commerce (ICC), organismo que congrega mais de 12 mil câmaras de comércio de todo o planeta.
Atualmente, diante do novo cenário geopolítico, as consequências para Santa Catarina são incertas. Pode haver abertura de novos mercados, em alguns casos, mas há o risco de elevação da concorrência de produtos importados no mercado interno, de forma parecida aos anos 1990. Entretanto, a aposta dos Estados Unidos e países europeus na reindustrialização é um indicativo de que a indústria está sendo valorizada em todo o mundo e poderá sair ganhando também no Brasil.
“O industrial catarinense sempre teve coragem para enfrentar as transformações e as crises, que acabaram por fortalecer o setor em Santa Catarina”, diz Mario Cezar de Aguiar, presidente da FIESC. “Agora, a guerra comercial em curso é fruto do reconhecimento, lá fora, de que não há crescimento sustentável sem indústria. Por isso, colocar a industrialização brasileira no centro das negociações e da estratégia do País é a chave para transformar qualquer cenário em oportunidade”, afirma.

Bons negócios no Mercosul
A entrada em vigor da tarifa externa comum do Mercosul, em 1995, abriu uma janela de oportunidades para a indústria, que sofria com a abertura abrupta da economia brasileira. Santa Catarina viu-se em posição privilegiada, situada a meio caminho entre os maiores centros de consumo do bloco econômico e com um parque fabril diversificado, capaz de atender a diversas demandas dos países vizinhos. Se no começo dos anos 1990 a Argentina, o Uruguai e o Paraguai absorviam somente 3% das exportações catarinenses, em 1997 os países já representavam quase 20% das vendas externas. Compravam roupas e tecidos, alimentos, papel, refrigeradores e revestimentos cerâmicos, dentre outros produtos. Entre 1990 e 2000, as exportações de Santa Catarina para o bloco cresceram 698%, enquanto as importações subiram 129%. Após 2011, em função da crise na Argentina, houve uma queda relativa no comércio, e atualmente as vendas para o Mercosul correspondem a cerca de 12% das exportações catarinenses.

Ganhando o mundo
Sob a liderança do então presidente da FIESC Osvaldo Douat, cerca de 200 empresários catarinenses embarcaram em um avião fretado pela Federação para exibir seus produtos e fazer contatos na Feira de Hannover de 1993, então a feira industrial mais importante do mundo. Tratou-se da primeira edição do projeto Missões Empresariais, que organizaria centenas de participações da indústria catarinense nas mais relevantes feiras do mundo, ao longo das décadas seguintes. A missão a Hannover foi sucedida pela criação do Centro Internacional de Negócios da FIESC, que ou a apoiar a inserção global da indústria com promoção, prospecção, inteligência comercial, capacitação e emissão de certificados de origem, dentre outros serviços. A atual gestão criou em 2018 o Programa de Internacionalização da Indústria de Santa Catarina, que tem apoiado centenas de empresas a ar o mercado externo. Por meio da Plataforma de Internacionalização (Intercomp) as indústrias realizam diagnósticos de maturidade, obtêm capacitação e detectam oportunidades de negócios, dentre outros serviços oferecidos. “Nós incentivamos e ajudamos as empresas a dar o o decisivo. Com a criação da plataforma, a FIESC se tornou o ponto focal da internacionalização da indústria em Santa Catarina”, diz Maria Teresa Bustamante, presidente da Câmara de Comércio Exterior da FIESC.